26 maio 2014

Estamos à porta da Copa

Por
MARIA VIRGÍNIA BOSCO
Médica e Escritora
São Paulo - SP
mavibosco@gmail.com








JINGLE-GOLS
ESTAMOS À PORTA DA COPA


"Todos juntos vamos, pra frente Brasil, B-R-A-S-I-L!”
Hoje ouvi numa rádio um novo tema musical muito bonito sobre a copa do mundo de futebol, essa de dois mil e quatrorze que de nós tão rapidamente  já se aproxima. Trata-se duma mídia muito bem feita que faz propaganda duma instituição financeira famosa entre nós.

Assim que ouvi o jingle imediatamente me reportei aos idos de mil novecentos e setenta, derradeiro jogo da copa  Brasil versus Itália, últimos minutos do segundo tempo, quando, em família,  no ponto de ônibus, de volta para casa tranquilamente, vindos da casa dos meus tios da Mooca e sem medo de que colocassem fogo no ônibus, eu ouvi a festa do quarto gol do Brasil sobre a Itália. Uma comoção. Consigo ouvir os gritos de euforia. Ópio, sem dúvida, ópio bom.

Eu tinha dez anos de idade, não entendia nem de futebol nem de sociedade, muito menos de política vigente, aquela que infelizmente amordaçava a Democracia que viria com a abertura quinze anos depois, todavia, entendia de aura de paz e alegria, a advinda de certa dose de fantasia infantil. Quando se tem dez anos, tudo parece perfeitamente festa...

O jingle da época, o que se tornou um clássico do nosso futebol tricampeão do mundo, começava assim: “noventa milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração...”. Eu achava noventa milhões um número incontável de gente! Na minha matemática que ia até um gigante mil, se um milhão já fugia da minha capacidade de contar, imaginem noventa milhões!

Naquela época, lembro ainda que se  usava cantar de verdade o Hino Nacional não só nos estádios, mas todos os dias nas escolas onde também se levantava quando o professor entrava nas salas de aulas e a Bandeira do Brasil tremulava sob nossas sinceras reverências à insígnia de ORDEM E PROGRESSO, a que nos prometia ser a tranquilidade algo sem volta rumo à prosperidade da Nação.

Eu achava aqueles dizeres lindos... 

Para frente Brasil iríamos todos juntos em ordem e em progresso... algo que ainda hoje é nossa vontade uníssona de cidadãos comprometidos com o País.

De volta para dois mil e quatorze, dia desses também ouvi uma propaganda cuja criança pequena dizia assim: “que legal, eu nunca vi uma copa do mundo, e essa vai ser no Brasil.”

Também fiquei matutando com o dito da menina. O Brasil do contexto campestre da nossa atual copa decerto é um Brasil que merecia mais... muito mais. Percebo que gols na atual conjuntura me parecem meio insípidos, algo sem muito nexo. Acho que posso externar o meu sonho de cidadã e analisar em qual campo eu gostaria que ganhássemos a copa mundial de futebol.


Claro que torço e gosto do esporte porque futebol está no DNA do brasileiro e negar a nossa genética futebolística seria como negar nossa identidade cultural. Mas aqui, meu pensamento é analógico através do tempo ora já digital de euforia virtual: quarenta e quatro anos se passaram do nosso tricampeonato, fomos tetra, penta, sonhamos com o hexa em campos brasileiros e muita coisa socialmente mudou entre nós.

Fizemos inúmeros gols pelo tempo, perdemos em vários campos. Ocorreram coisas boas, coisas medianas, coisas ruins, coisas péssimas, só não saberia dizer se a resultante dessas mudanças de coisas é positivamente a coisa boa que urge do “todos juntos vamos pra frente Brasil, salve a seleção!”

Eu gostaria que aquela criança que, como eu nos anos setenta, hoje também fantasia seu hexacampeonato futebolístico pela primeira vez, pudesse gritar gol num Brasil bem melhor construído e sedimentado, algo que se concretizaria apenas pela cidadania conquistada em mutirão.

Eu gostaria que a Copa do Mundo de futebol em dois mil e quatroze, fosse recebida por um país que gozasse de todo o resultado do seu gigante potencial humanístico e geográfico para desfrutar gols em todos os campos sociais... com toda justiça social que se enxerga com os olhos, não apenas a contada com números.

Eu gostaria que um possível e justo hexacampeonato ocorresse num campo em que todas as mínimas prioridades sociais estivessem ao menos programadas. 


Esse sonho não é utopia, é só questão de vontade, de determinação. Num campo em que o trigo autóctone da nossa terra pudesse diminuir ao menos o custo  do pãozinho para as famílias de renda mais estreita.

Eu gostaria de gritar gol para a educação que alimenta mais que comida doada em campo sem logística para se alimentar superficialmente.

Eu gostaria dum país cujas Arenas da Copa não contrastassem tão duramente com filas de desassistência à saúde básica, não digo nem em hospitais de ponta!

Que a cada gol em solo brasileiro, via Copa, pudéssemos contar uma tuberculose a menos ou qualquer outra doença infecto-contagiosa evitável que o valha... uma dengue a menos, uma leptospirose a menos, uma hepatite a menos, um lixo a menos, um homicídio a menos, um professsor e escolas a mais, uma copa de árvore rebrotando na Amazônia... Bingo! Esses seriam gols de sustentabilidade para todo o sempre!



Eu gostaria que, no campo da nossa copa de futebol, corressem mais rios de águas cristalinas e potáveis, todos comprometidos com a vertente de desenvolvimento tecnológico próprio, com a geração da “energia nossa”, a que catalizaria a propulsão de irmos todos juntos pra frente... Brasil, com ou sem futebol.

Que nos campos minados do nosso petróleo tão sofrido houvesse a justa reversão para algum combustível mais acessível, nem que fosse o restolho do último óleo alvo, dada à imensa frota de riqueza inconsciente movida a quatro rodas que paralisa o País, a mesma que nos emperra no trânsito das nossas tantas “vias sem saídas”.

Eu gostaria que os holofotes dos estádios brilhassem todos sobre nós, desofuscando nossa atual escuridão... Energia social eólica, quem sabe Brasil? Aquela soprada pelos bons ventos...

Eu gostaria de gritar “gol”! num supermercado em que, ao invés de inflação galopante, houvesse ao menos bananas ao justo preço de bananas e tomates ao justo preço de tomates. Que o pé de alface tivesse dez folhas! Que maravilha de ganho... num campo de hortifruti da terra.

Eu gostaria que os campos da Copa fossem campos de segurança pública para todos, brasileiros e não brasileiros, plenamente livres para exercermos nosso direito de “ir e vir” sem balas perdidas ou incêndios nos interceptando pelo caminho.

Os estádios? Ah os estádios não precisariam ser nenhum Taj Mahal! Porque o AMOR essencial que nos move a sermos prioritariamente campeões sociais para depois sermos um país hexacampeão de futebol... ah, esse amor supera todos os desejos voláteis representados pelos palácios desportivos carcomíveis pelo tempo. A cidadania nunca vira sucata... mas pode, paradoxalmente, significar sofrimento quando dilapidada.

Eu gostaria de gritar gol para cada ato de proteção e respeito pela nossa Constituição Cidadã! Eu gostaria de tantas fantasias concretizadas... de tantas, como eu gostaria.

Queria meu país campeão... em tudo. Quase uma megalomania da cidadania.




Hoje somos DUZENTOS MILHÕES de brasileiros em mais um “pra frente Brasil do nosso coração, salve a seleção”. Não o “salve” a nossa convulsão social de hoje. Ou melhor: Deus nos salve!

Não sei dizer qual Brasil do futuro espera pela garotinha que tão entusiasticamente aguarda pela sua primeira Copa mundial de futebol. Todavia, ela tem todo o mundão de tempo pela frente para sonhar e a mim, tal se denomina esperança de dias melhores.

Ela ainda não sabe de nada... Talvez ela ainda veja um Brasil diferente do de hoje tremulando ordem rumo a todos os progressos mais que merecidos a todos nós.
E de repente mais uma vez... “é aquela corrente pra frente”.

Que não só pareça. Que seja! Que todo o Brasil se dê as mãos de verdade. “ Tudo num só coração”! Vamos Brasil, todos juntos, rumo aos campos férteis. “Que nossos campos tenham mais vida e nossas vidas mais amores”. Sem os tantos atuais horrorres.


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Um comentário:

Unknown disse...

Realmente... Gostaria de poder ficar exultante frente às nossas conquistas não só futebolísticas, mas, principalmente, na área de Saúde, Educação, Segurança e tantas mais, principalmente exultar com a dedicação dos nossos políticos...
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