10 abril 2020

QUE PENA! O MUNDO DÁ VOLTAS



Por: ALESSANDRA LELES ROCHA
Professora, bióloga e escritora
Uberlândia - MG

Algum dia você já se perguntou do que depende a sua vida? Parece estranho; mas, vale a pena perguntar, pois o conceito de vida tem andado bastante relativizado nos últimos tempos.

De modo que alguns responderiam a casa de campo, a viagem ao exterior, o carro do ano, as aplicações no mercado de ações, a última coleção da moda,... Outros diriam ser o trabalho, as atividades físicas regulares, os momentos de lazer, as pessoas queridas, a continuidade nos estudos,...

Por fim haveria quem optasse pelo mais lógico e óbvio, ou seja, um corpo em condições saudáveis e equilibradas capaz de permitir desenvolver e desfrutar os bons momentos da vida.

Como se vê encontrar um consenso é difícil por conta da pluralidade humana. No entanto, não deveria. A vida humana depende, antes de tudo, da saúde. Sem ela não há como viver plena e absolutamente nada que o cotidiano tenha a nos oferecer ou que tenhamos planejado realizar.

Essa é uma constatação distante, anos luz, de especulações ou achismos. Só quem vive o limite tênue entre a saúde e a doença para saber exatamente o que isso significa.

O status social e econômico pode ser um facilitador para cuidar da saúde; mas, nunca será uma garantia de vida. Esses aspectos podem abrir portas, estabelecer acessos, podem até trazer conforto; mas, nunca a segurança de ter a saúde plenamente restaurada.

Haja vista quantos nascem em berço de ouro, mas padecem de doenças que lhes retiram a vida em questão de horas. Ou sobrevivem às limitações impostas por tratamentos diários pelo resto de sua existência.

O que deveria, portanto, estar em xeque sempre é a dignidade disponibilizada a qualquer pessoa para que sua saúde possa ser preservada. Milhões de seres humanos pelo mundo não têm essa sorte.

Sobrevivem a uma infinidade de desigualdades socioeconômicas concomitantemente ao fato da inacessibilidade aos serviços de saúde. De certo modo, elas também nascem com prazo determinado para sua permanência sobre a Terra.

O estranho tem sido, cada vez mais, o ser humano manifestar indiferença a tudo isso. A sua modelação ao sistema social do “vale quanto pesa”, ou seja, a dependência de sua vida devotada aos prazeres do consumo, das aparências e do capital estabelece uma ruptura muito perigosa com tudo àquilo que deveria ser realmente vital.

E o exemplo disso está diante de nós. Apesar de um mundo globalizado em todos os sentidos, com informações chegando a tempo e a hora sobre a Pandemia do COVID-19, legiões desconsideram a gravidade real da situação em nome da manutenção de sua estrutura material.

Como uma turba irracional e enfurecida essas pessoas proferem a sua negação, a sua desqualificação e o seu ódio em relação aos dados estatísticos, as medidas preventivas essenciais, as orientações prescritas pelos especialistas e pesquisadores em ação. Apegam-se em nada. Apegam-se em promessas vãs. Tudo para não aceitar o lógico e o óbvio.

Entretanto, diante da realidade dos sistemas de saúde esse movimento pode ser considerado como “um suicídio coletivo”. Fomentar de maneira consciente a ampliação de demanda sobre a existência de uma incapacidade crônica dos sistemas de saúde, distorcendo a realidade para a população, inevitavelmente, levará a uma escolha entre a vida e a morte. Há um limite suportável que, ao ser atingido, impossibilita o trabalho dos profissionais de saúde, expondo-os à obrigação de realizar escolhas.

Embora todos saibam que a morte é uma certeza na vida, isso não reduz em nada o impacto de uma perda humana. Afinal de contas, somos seres sociáveis, seres coletivos. Convivemos. Coexistimos. Aprendemos. Dependemos uns dos outros, em diferentes formas e sentidos. Não deveríamos, portanto, ter que lançar mão de uma couraça tão insensível, tão fria, assim.

Aliás, resta saber quantos conseguiriam, de fato, suportar arrastar vida a fora os desdobramentos de um impacto tão brutal. Perdas são sempre difíceis. Mas, saber que perdeu alguém por descaso, por descuido, por irresponsabilidade, de outros que colocaram a vida em último nível de prioridade é impossível de aceitar. Porque sabendo que poderiam fazer o certo e o necessário optaram por não fazê-lo, só para satisfazer o próprio egoísmo, os próprios interesses.

Que pena! O mundo dá voltas. E como dá! Nesse girar constante e desenvolto, sempre traz o imponderável pela mão. Pode ser que as posições se alterem. Que os ventos soprem a outro favor. Então, alguém lhe pergunta do que depende a sua vida? Aí, antes mesmo que se dê conta e consiga responder, descobrirá que se transformou de algoz em vítima e compreenderá o verdadeiro custo da sua insensatez.
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12 fevereiro 2020

CENAS MIL DA APOTEOSE DAS VIDAS


Por: MARIA VIRGÍNIA BOSCO
Gertiatra e escritora
São Paulo


Enquanto as águas subiam a vida, emergia, às claras, a sociologia castigada dum tempo apoteótico e esquecido.

Cena um:

Na marginal do rio transbordado, bem ali nas ilhas dos milagres, a natural arreflexia da percepção, própria da nona década de vida (noventa e dois anos!) olhava atônita para a cena das águas que carregavam o seu automóvel inundado.

Alguém lhe perguntou na entrevista, ao tal senhor que por um triz não submergiu a vida em pleno asfalto:

"Mas o senhor estava dirigindo, o que ocorreu com o senhor?"

E a resposta: "eu não sei, eu não vi, eu não percebi que a água subia e, de repente meu carro inundou".

"O senhor está bem?"

Cena dois:

Uma senhora, final da oitava década do sufoco da vida, dava graças a Deus por, com as águas pelos joelhos, ainda ter as paredes em pé, as da sua suada casinha conseguida com o esforço familiar duma vida toda, soerguida numa área de risco iminente.

Então, ela apenas argumentou feliz por estar viva e saudável, frente à pergunta que lhe sugeria se ela não precisaria sair dali:

"mas moço, não é sempre que isso acontece: eu não tenho para aonde ir, eu gosto de morar aqui sozinha!".

"A senhora está bem?".

E poderiam ser cenas mil que nos fazem ao menos repensar como chegam através do tempo nossas crianças, nossos declamados idosos, enfim, nossas vidas no seio da ATUAL sociedade que construímos, dizem, com as nossas mãos.

A pergunta de sempre: se não for pelo bem estar e pela dignidade das pessoas... então, seria pelo quê?

O que seria mais importante que VIDAS?

E logo mais todo o asfalto inundado dará passagem ao abre alas das nossas histórias inundadas de descaso pela folia que amortece as dores.

Por aqui, com ou sem Carnaval, somos os atores dos nossos dignos caos, somos todos mestres-salas das dores e porta-bandeiras das causas gritadas... mas, perdidas.

Somos os protagonistas dos nossos enredos surreais, embora, no real nossos melhores sonhos sociais não façam parte deles.
Por aqui...

Quem, de fato, se importaria com o cáustico desfile de todos os dias, esses pelas passarelas das nossas vidas tão esquecidas, as que correm pelas deterioradas avenidas, todas  rumo à apoteose dos tempos invisíveis?

Então, nada mais nos resta senão desfilar.

Preparemos as baterias e acionemos nossas vozes altas em meio a todos os surdos, porque nossos Carnavais inaudíveis têm que continuar.

Afinal, sim, nós estamos todos muito bem.
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Maria Virgínia Bosco
Médica geriatra e cardiologista

16 julho 2019

DE VOLTA À ALEGRIA "VINTAGE"

por: MARIA VIRGÍNIA BOSCO
Geriatra e escritora
São Paulo

(...num rápido ensaio dos nossos tempos...)

Vira e mexe observamos um certo retorno melancólico ao "modus operandi" da nossa vida em sociedade.  Todo mundo sabe que estamos numa rápida e impressionante transformação social, atualmente não apenas amparada pela revolução digital mas principalmente pela transformação dos “usos e costumes” que dela provêm, o que denota uma nítida revolução “antropológica” no planeta.

Todavia, um fato me chama a atenção: estamos constantemente ressuscitando conceitos óbvios de vida algo "vintage", desde a sustentabilidade ambiental até tudo que dela influi inegavelmente na qualidade da longevidade das atuais gerações. 
Também temos uma certa necessidade de comparar o ”que era” com o “que é” e chegamos à conclusão que nem tudo que é inegável progresso tecnológico necessariamente significa progresso civilizatório e felicidade individual e ou coletiva. Curioso que mesmo os bem jovens já comparam os "tempos" que se aceleram na passagem e nas transformações.

Exemplo disso, e a despeito das faces humanas de todas as idades (quase full -time!) estarem grudadas nas telas digitais, é que as pessoas cada vez mais procuram pelo óbvio da sua essência com se estivessem meio perdidas de si mesmas: redutos de natureza virgem, onde se relembra com entusiasmo- como se fosse a tal lembrança um ato nunca visto de profunda manifestação da inteligência humana- a necessidade óbvia e vital que temos dum ar puro, duma água limpa, duma comida saudável, duma plantação limpa, dum saneamento básico planejado, dum lixo no lixo, duma reciclagem programada, duma arte que comunica verdadeiros sentimentos, dum compromisso social com o outro, .
Nas relações sócio-pessoais, então, observo que a "coisa" está surreal: tenho ouvido e sentido que a dificuldade de convivência e entendimentos está na casa das crescentes impossibilidades. Ouço as tais queixas em todas as idades, todos os dias.

Talvez tal explique a onda de Pets que passam progressivamente a fazer parte das famílias em transformação, inclusive a substituir pessoas... São eles que fazem comunicações plenas e telepáticas com os seres humanos da modernidade.

Vejo pessoas bem situadas, bem conectadas, num mundo em que aparentemente nada lhes falta mas que sentem falta dum tudo que não sabem explicar. Um estado social de vazio endêmico, é o que vejo.
Assim, assistimos ondas de “movimentos vintage”, de retorno a alguma coisa ou fato, que nos faça o link com o que certa vez na vida nos fez mais plenos, verdadeiramente humanos.

A Humanidade parece um iô-iô, lembram dele? Vai e volta de si mesmo, em círculo contínuo do e para o mesmo lugar de partida; e a despeito de toda evolução quiçá ilusória, parece não sair do lugar comum: a constante procura por um sentido existencial.

Em tempos de comandos por aplicativos, o marketing, esse das propagandas ao público, mostra bem esse movimento de contraste e de retorno ao passado recente ou longínquo: uma reminiscência em disco em vinil aqui, o relançamento dum bichinho virtual da moda passada, um modelo de rádio retrô mas em “high tech” ali, um objeto de decoração que nos transporta a algo de acolá, uma arte que remonta a moda e os cenários de amanhã nos moldes de antigamente.

Às vezes voltamos ao vintage do surreal na marra da vontade dos “homens”: aos lampiões a gás, aos fogões a lenha, à folha de bananeira no buraquinho da terra feito para os dejetos fisiológicos…um certo cenário vintage que nos provoca um choro fundamentado…por todos os cantos. Mas se o foco é o mercantilismo do consumo, o vintage hoje tem seu espaço garantido...porque tal mexe com o emocional coletivo. 

Até aquele refrigerante mais famoso do mundo pensa, num ato “super inovador” à quem ainda não viu certos filmes, em retornar suas embalagens de vidro, como o era na devolução dos frascos dos líquidos consumidos nem tão antigamente assim. 
Talvez, como já foi escrito pelo poeta, nos sejam “os entediantes museus das grandes novidades” a grande saga humana a ser vencida, os que pontuam nossas reflexões sobre parte da nossa existência e da nossa primordial passagem por aqui…Descobrir o novo que nos realiza...em plenitude.
Para terminar, nessa época que caminha para o domínio da robótica, da mecatrônica, em que tudo quer nos convencer que as máquinas ocuparão o nosso lugar, numa flagrante tentativa assustadora de nos separar de nós mesmos, conto que foi um incrível comercial de carro “ultra tech” que me trouxe a essa reflexão que compartilho com quem me lê.
Trata-se duma cena em que um bebê a bordo é transportado, momento em que também o computador de bordo, pela PRIMEIRA VEZ, fala algumas palavras concomitantemente às primeiras palavras proferidas pelo bebê. Aquele momento que quem é pai e mãe jamais esquece... A mãe, então, exclama extasiada :”ele falou!” referindo-se ao bebê, provavelmente.
E o pai comemora o desempenho da fala…seria a do computador? : ” sim, ele falou!”, nos levando à confusão e à reflexão de quais primeiras palavras seriam as mais importantes de serem ouvidas naquele novo contexto de mundo: as da criança…ou as da máquina? Parabéns ao idealizador da tal propaganda…achei simplesmente genial.
Assim concluo que meu sonho de consumo vintage é o de que um dia possamos retornar ao primordial das nossas relações humanas e que consigamos, ao nos diferenciar das máquinas, discernir as nossas próprias e mais profunda vozes inaudíveis. E que na superficialidade da nossa era de vida tão digital possamos clicar um botão único real, checar com segurança vital o propósito de alcançar o íntimo do nosso coração e prontamente nos identificar a nós mesmos: “DESCULPEM, EU NÃO SOU UM ROBÔ”.
E se sentir pleno e legitimamente aliviado por isso…
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Por: Maria Virgínia Bosco
Médica geriatra e cardiologista

29 maio 2019

FILATELIA: SAMUEL LUKE FILDES


Sir Samuel Luke Fildes, pintor e ilustrador britânico, nasceu em Liverpool em 3 de outubro de 1843 e faleceu em Londres, em 28 de fevereiro de 1927).  Pintor de diferentes quadros, além dos retratos da coroação de Eduardo VII, Alexandra da Dinamarca e outras figuras importantes do século XIX.

Como ilustrador trabalhou no jornal “The Graphic” mostrando a vida na Inglaterra de uma maneira clara e por vezes cruel, fazendo inúmeras ilustrações de cunho realista socialista mostrando imagens da vida em Londres. Uma de seus grandes desenhos foi publicado após a morte de Charles Dickens, mostrando a sala do escritor, porém com a cadeira vazia.









Na primeira edição do The Graphic, publicada em dezembro de 1869, Luke Fildes foi convidado a fornecer uma ilustração para acompanhar um artigo sobre o “Houseless Poor Act”. A imagem produzida por Fildes mostrou uma fila de moradores de rua pedindo ingressos para passar a noite no asilo.






Fildes logo se tornou um artista popular e em 1870 ele desistiu de trabalhar para o “The Graphic” e voltou sua atenção para a pintura a óleo, classificando-se entre os mais capazes pintores ingleses.









O famoso trabalho de 1887, “The Doctor”, retrata um médico em uma visita domiciliar. Ele está cuidando do filho doente de um trabalhador empobrecido; a cama é improvisada sobre duas cadeiras juntas. A figura central é o imponente médico olhando atentamente para o paciente, enquanto ao fundo o pai olha impotente com a mão sobre os ombros da esposa chorosa.

Existem histórias diferentes sobre as origens da pintura. Pode ter sido inspirado pela morte do filho mais velho de Fildes, Phillip, que morreu na manhã de Natal de 1877, com a presença de um Dr. Murray, que impressionou Fildes com o cuidado e atenção que ele deu a seu filho moribundo. A pintura mostra como o médico está observando seu paciente com gentileza, carinho e atenção.



A foto recebeu muitos elogios dos críticos contemporâneos: O “British Medical Journal”, em 1892 publica: “O que não devemos ao sr. Fildes por mostrar ao mundo o típico médico,  um homem honesto e um cavalheiro, fazendo seu melhor para aliviar o sofrimento?”

Mitchell Banks, MD, (1893), Professor de Anatomia da Royal Infirmary, Liverpool: “Uma biblioteca de livros escritos em nossa homenagem não faria o que esta imagem tem…” 

Na prática médica a relação médico-paciente de maneira humilde, respeitosa e confortante tem muito mais valor do que a aplicação do conhecimento científico. Estas duas partes da consulta não devem se contrapor, mas se unir para oferecer ao paciente o melhor desta arte. O excesso de tecnologia predispõe os médicos a neglicenciar seus pacientes pela falta de atenção, tornando esta relação em um acontecimento meramente técnico.

A pintura “The Doctor” foi reproduzida em selo dos Estados Unidos da América do Norte em 9 de junho de 1947 e utilizada por diversas associações médicas como símbolo em seus congressos e simpósios.
Samuel Lukes Fields, deixou um recado aos médicos há mais de cem anos atrás. Hoje, no momento em que se fala em telemedicina e inteligência artificial, em altas tecnologias de acesso somente a determinadas classes sociais, qual seria a opinião do médico da pintura?





Cartão Postal com a pintura “The Doctor” e o respectivo selo.



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Por: Roberto Antonio Aniche
Médico, escritor e filatelista


05 dezembro 2018

NATAIS


Por que eu gosto tanto dessa data? Seu significado aliou-se a uma festa de união e muitas lembranças: 

Minha avó foi a primeira pessoa a me explicar o significado de cada personagem do presépio quando aprendi a falar e a começar a entender o mundo ao redor. 

Depois conheci a figura do Papai Noel e lembro de um 25 de dezembro (quando eu tinha uns cinco anos) em que fui mostrar ao meu avô os presentes que a figura lendária tinha me dado e eu vi o meu avô responder que "esse Papai Noel é um camarada muito bom" e eu observava curiosa o tanto que ele ria, sem entender. 

Crescendo mais um pouco, percebi que o período do advento coincidia com o início das minhas férias escolares que começavam no final de novembro e duravam até fevereiro.

Chegava o final de novembro junto com a alegria de passar de ano no colégio e começava a alegria de enfeitar as casas (a nossa e a de meus avós). Chegava do colégio com o boletim e já pedia pra tirarem a árvore de natal e os enfeites guardados em um quarto vazio no primeiro andar. Eu gostava das músicas de natal, dos enfeites, das luzes, dos comerciais da TV (lembro de vários deles até hoje!). O advento era um período alegre, de expectativas. Na véspera de natal, a desculpa pra me convencer a dormir cedo sem reclamar era dizer que o Papai Noel não entrava pela janela pra deixar os presentes se soubesse que eu estava acordada, e ele sabia tudo. O dia seguinte era o dia de curtir os presentes, sabendo que ainda tinha muito tempo de férias pela frente. 

No colégio, com sete anos de idade, lembro que houve uma controvérsia porque algumas crianças começaram a dizer que Papai Noel não existia e outras protestaram que ele existia, sim. Eu era uma das que acreditavam e teimavam que existia. A polêmica só terminou quando a professora, vendo que algumas crianças ainda acreditavam, resolveu falar: "Que é isso, ele existe, sim."

Deixar de acreditar em Papai Noel foi tranquilo pra mim porque eu já desconfiava. Perguntei à minha mãe, ela confirmou que os presentes eram comprados pelos pais das crianças, e eu achei graça. 

Com nove anos, lembro que a professora mandou a gente fazer uma redação explicando o significado do natal. Ouvi quando ela chamou a atenção de uma das meninas: "Como? Natal pra você é só isso? Dia de ganhar presentes?" Um mico!

Lembro também das lembrancinhas que eu aprendia a fazer no colégio e fazia mais em casa. Velas feitas de canudos, bolas, laços, em um pratinho de bolo de papel. 

Com dez anos, decidi que devíamos encomendar uma fantasia de Papai Noel pra animar a festa lá em casa e alegrar as crianças menores que ainda acreditavam no velhinho. Geralmente era meu avô o ator, mas meu tio às vezes fazia questão do papel. 

Quando meus pais compraram uma casa grande e espaçosa (eu tinha nove anos), o natal da família inteira (irmãos, avós, tios, tios-avós, primos, de todos os lados da família, lado materno, lado paterno, de todas as faixas etárias, crianças, adolescentes, adultos, idosos, família que morava por aqui e outros que vinham de longe para as festas, e também amigos mais próximos, até vizinhos e colegas de colégio que eu convidava), era na nossa casa, uma megafesta que minha mãe preparava com um capricho inimaginável, docinhos e salgadinhos, ceia completa que nenhum buffet faria igual, música ao vivo (violão e voz), uma festa que começava no finalzinho da tarde e terminava na manhã do dia seguinte. Essa rotina de megafestas de natal se repetiu da minha infância até a vida adulta, já na faculdade, quando as comemorações se tornaram mais íntimas porque em um apartamento não dá pra fazer festas daquela magnitude. Mas o encanto dos presépios, das músicas, da decoração, e da união familiar permanece até hoje.


FELIZ NATAL!
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Por: 
LAURIJANE PANTALEÃO ALENCAR
Médica - Maceió - AL


18 novembro 2018

PALAVRAS



Infelizmente vivemos tempos em que o bom senso anda esquecido e as regras de ouro da boa educação também. São tempos de uma verborragia incontrolável e de um desrespeito ao ser humano sem precedentes. Assim, o constrangimento1 anda solto, como se tudo fosse permitido ou não passasse de mero mal entendido.
No entanto, certas coisas e valores não mudaram com o passar do tempo, como querem muitos fazer parecer. Caso contrário, não precisaríamos nos preocupar, por exemplo, com as repercussões sociais do Bullying ou do Cyberbullying, principalmente nas escolas e no ambiente de trabalho. Afinal, poderíamos colocar essas questões no rol do “desconforto” ou “brincadeira de mau gosto”. Mas, não o fazemos porque não há nada de simples ou trivial nesses comportamentos.   
Cada um sente, percebe e reage as emoções e aos sentimentos de maneira muito particular. Cada um tem a sua própria história que determina os níveis de sensibilidade com os quais irá lidar com as situações da vida. E o mundo, na maioria das vezes, é hostil e perverso não oportunizando a construção de um emocional capaz de responder equilibradamente às situações. Por isso, é tão fácil ferir, ofender e agredir o outro. Ninguém conhece em profundidade o fardo de experiências que ele carrega.  
Mas, há situações em que não se trata de “pegar pesado” com as emoções alheias. Simplesmente, aquilo que se faz ou se verbaliza ao outro é de profunda deselegância ou inapropriado. Nesses casos, graus de intimidade relacional são insuficientes para absolver alguém de uma má conduta. É o caso de pensar antes de agir. O viver em sociedade clama essas regras de convivência para que haja uma coexistência pacífica e harmônica.
Vejamos, por exemplo, o caso das relações entre a Guerra e o Humor. Desde a Segunda Guerra Mundial que muitos grupos sociais passaram a reproduzir o seu discurso por meio de charges e caricaturas em jornais e revistas, as quais menosprezavam e humilhavam aqueles considerados minorias 2. Mais recentemente, em 2015, o mundo viu novamente esse movimento por meio dos atentados contra o jornal francês Charlie Hebdo, por conta de charges que fizeram emergir protestos da comunidade muçulmana em todo o planeta 3.
Isso acontece porque na essência de quaisquer palavras ou atitudes existem intenções. Nada é gratuito ou involuntário. Há sempre um propósito, ainda que inconsciente, imerso naquele comportamento. E como o discurso é o que medeia às relações sociais, permitindo a inserção humana neste ou naquele lugar social; é fundamental entender que a língua vai além de um conjunto de signos e de regras, ela é atravessada por aspectos da ordem do físico, do sociocultural e do psicológico.
Segundo  Eni P. Orlandi (2001) 4, “Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem. Perceber que não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. A entrada no simbólico é irremediável e permanente: estamos comprometidos com os sentidos e o político. Não temos como não interpretar. Isso, que é contribuição da análise do discurso, nos coloca em estado de reflexão [...]”.
É fundamental, portanto, fazer da comunicação uma experiência de vida, na medida em que se ampliam as possibilidades de ser e de agir discursivamente no mundo; mas, com a consciência da responsabilidade que isso representa. Embora, a pós-modernidade nos acene que podemos “realizar sem limites”, de acordo com a própria vontade, isso não é de fato uma verdade.
Dizem os chineses que “a palavra é prata, o silêncio é ouro”. Não brinque com as palavras. Não se perca em discursos vãos. Não construa abismos. Não fomente o ódio. Não contribua com a ignorância. Não se faça lembrar pelas palavras mal ditas. Use as palavras como ferramenta de edificação de um mundo melhor; afinal, é para isso que elas servem!



1 Constrangimento - sm1. Ato de constranger. 2. Situação de quem foi violentado. 3. Pudor que sente quem foi desrespeitado ou exposto a algo indesejável. 4. Acanhamento. (FERREIRA, A. B. de H. Mini Aurélio: o dicionário da Língua Portuguesa. 8.ed. Curitiba: Positivo, 2010. 960p.)
2 Leia a respeito das relações entre a Guerra e o Humor em
4 ORLANDIE. P. Análise de Discursoprincípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001.

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Por: ALESSANDRA LELES ROCHA
Professora, bióloga e escritora
Uberlândia - MG

(Via - Antena Cultural)

06 março 2018

POEMA PARA MEU POETA
















Ah... Meu poeta,
Nossos caminhos cansados
Encontraram-se ao acaso
Na intercessão dos versos
Abraçando sonho imenso
Ao buscar o tosão dourado
Nas agruras do destino
Nos raios do pensamento

Duas almas cristalinas
Cheias de grandes vivências
Entregam-se ao ópio sagrado
De mitos e seres alados
Semeando sentimentos
Adormecidos, guardados,
Co’a lira que embala o sono
De sereias e soldados.

Seduzidos por Nefele
Deitados em nuvens de planos
Dois corações e um apreço
Em apelo oceânico
Querem um novo começo
Disfarçado de convite
Nos versos que se oferecem
Plenos de anseios risonhos
O suor na tarde quente
Perfumado de aromas
Cedendo à busca inclemente
-Até um pouco indecente-
De misturar-se ao que ama
Inflamado e sem pejo
Sem mensurar o desfecho
Das horas que Eros planta

Mas... Amor? Falo de amor?
Será amor a intensa chama
Que se eleva sinuosa
Quando o desejo clama?
Não seria muito ousada
Falando em nome do amor
Da paixão que nos abrasa
Sem que saibamos teor?

Sei que entendes e que sabes
Que o fio permeia o bordado
Pra costurar outros sonhos
Que acalentam meus pecados
Pois sem pecados sou anjo
Voando meus desencantos
Sem o azul celestial
E asas quase em frangalhos

Mas, é pecado querer?
Que deuses ficam irados
Se invejam do mortal
O viço de amar sem cuidado
Bebendo em cálice d’ouro
Amores febris e devassos
Que co’a flechada de Eros
Desprezam dias de enfado?

Não vou roubar um amor
Eu não o teria à força
Cedo ao apelo da alma
Ciente desse caminho
Que o sentimento arvora:
Momentos de torvelinho
Em beijos, instantes roubados
Que um dia se vão embora

Então, meu doce poeta
Traz tua lira encantada
Cala o mundo e as fronteiras
Deixa o desejo que exala
Envolver os teus cabelos
Em pensamentos risonhos
Teu corpo imerso no meu
No banho de odores e sonhos

Lacra teus lábios nos meus
E nada digas, mais nada
Deixa os cascalhos da estrada
E a poeira do caminho
Serem tuas vias benditas
O elixir da conquista
Que finaliza a jornada
No gozo que na vida habita

Poetas são sempre assim,
Exalam generosidade
São únicos e fazem saber
Que o sentimento só cala
Quando o viver foi embora
O amor cansou de querer
E a alma enfim libertada
Deixou de tanto sofrer

Estamos aprisionados
Nesse querer que é carrasco
Na ânsia que torna demente
Esse apelo tresloucado
Que teima em seguir em frente
Esquecendo o passado
De amores e antigas dores
O fado cantado... Suado

Lacra teus lábios nos meus
Sorve o ar que respiro
Para saberes que tu
És todo o ar que inspiro
Serei meiga e generosa
Como merece um poeta
De encantos de igual magia
A suspirar pelas frestas

Sob o sol abrasador
Que aquece o teu sertão
Serei tua, serás meu
Enquanto durar a emoção
Sem querer eternidade
Sem mergulhar na saudade
Que chega e se faz tarde
Feito chuvas de verão

Abissal no absoluto
Terás de mim todo o céu
No teu outono noturno
De siderais tão fecundos
Tu me darás novo mundo
De cordoalhas ao léu
E te serei primavera
De verso, doçura e mel.

São palavras que nos movem
Montanhas de ilusão
Não importa, nada é certo
A vida é o abismo do eterno
E os versos que agora te entrego
Bem antes que chegue o inverno
Serão saudades decerto
Na intercessão da razão

Queres vir? Estou disposta
Eu mesma te abro a porta
Não precisas me pedir
Um dia as horas mortas
Delírios serão, quem se importa?
Os mitos vivem de glórias
Tu e eu de certa história
Que um prazer quer nutrir...
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Por Josyanne Rita de Arruda Franco
Médica e escritora
Jundiaí -SP




QUE PENA! O MUNDO DÁ VOLTAS

Por: ALESSANDRA LELES ROCHA Professora, bióloga e escritora Uberlândia - MG Algum dia você já se perguntou do que depende a s...