10 abril 2020

QUE PENA! O MUNDO DÁ VOLTAS



Por: ALESSANDRA LELES ROCHA
Professora, bióloga e escritora
Uberlândia - MG

Algum dia você já se perguntou do que depende a sua vida? Parece estranho; mas, vale a pena perguntar, pois o conceito de vida tem andado bastante relativizado nos últimos tempos.

De modo que alguns responderiam a casa de campo, a viagem ao exterior, o carro do ano, as aplicações no mercado de ações, a última coleção da moda,... Outros diriam ser o trabalho, as atividades físicas regulares, os momentos de lazer, as pessoas queridas, a continuidade nos estudos,...

Por fim haveria quem optasse pelo mais lógico e óbvio, ou seja, um corpo em condições saudáveis e equilibradas capaz de permitir desenvolver e desfrutar os bons momentos da vida.

Como se vê encontrar um consenso é difícil por conta da pluralidade humana. No entanto, não deveria. A vida humana depende, antes de tudo, da saúde. Sem ela não há como viver plena e absolutamente nada que o cotidiano tenha a nos oferecer ou que tenhamos planejado realizar.

Essa é uma constatação distante, anos luz, de especulações ou achismos. Só quem vive o limite tênue entre a saúde e a doença para saber exatamente o que isso significa.

O status social e econômico pode ser um facilitador para cuidar da saúde; mas, nunca será uma garantia de vida. Esses aspectos podem abrir portas, estabelecer acessos, podem até trazer conforto; mas, nunca a segurança de ter a saúde plenamente restaurada.

Haja vista quantos nascem em berço de ouro, mas padecem de doenças que lhes retiram a vida em questão de horas. Ou sobrevivem às limitações impostas por tratamentos diários pelo resto de sua existência.

O que deveria, portanto, estar em xeque sempre é a dignidade disponibilizada a qualquer pessoa para que sua saúde possa ser preservada. Milhões de seres humanos pelo mundo não têm essa sorte.

Sobrevivem a uma infinidade de desigualdades socioeconômicas concomitantemente ao fato da inacessibilidade aos serviços de saúde. De certo modo, elas também nascem com prazo determinado para sua permanência sobre a Terra.

O estranho tem sido, cada vez mais, o ser humano manifestar indiferença a tudo isso. A sua modelação ao sistema social do “vale quanto pesa”, ou seja, a dependência de sua vida devotada aos prazeres do consumo, das aparências e do capital estabelece uma ruptura muito perigosa com tudo àquilo que deveria ser realmente vital.

E o exemplo disso está diante de nós. Apesar de um mundo globalizado em todos os sentidos, com informações chegando a tempo e a hora sobre a Pandemia do COVID-19, legiões desconsideram a gravidade real da situação em nome da manutenção de sua estrutura material.

Como uma turba irracional e enfurecida essas pessoas proferem a sua negação, a sua desqualificação e o seu ódio em relação aos dados estatísticos, as medidas preventivas essenciais, as orientações prescritas pelos especialistas e pesquisadores em ação. Apegam-se em nada. Apegam-se em promessas vãs. Tudo para não aceitar o lógico e o óbvio.

Entretanto, diante da realidade dos sistemas de saúde esse movimento pode ser considerado como “um suicídio coletivo”. Fomentar de maneira consciente a ampliação de demanda sobre a existência de uma incapacidade crônica dos sistemas de saúde, distorcendo a realidade para a população, inevitavelmente, levará a uma escolha entre a vida e a morte. Há um limite suportável que, ao ser atingido, impossibilita o trabalho dos profissionais de saúde, expondo-os à obrigação de realizar escolhas.

Embora todos saibam que a morte é uma certeza na vida, isso não reduz em nada o impacto de uma perda humana. Afinal de contas, somos seres sociáveis, seres coletivos. Convivemos. Coexistimos. Aprendemos. Dependemos uns dos outros, em diferentes formas e sentidos. Não deveríamos, portanto, ter que lançar mão de uma couraça tão insensível, tão fria, assim.

Aliás, resta saber quantos conseguiriam, de fato, suportar arrastar vida a fora os desdobramentos de um impacto tão brutal. Perdas são sempre difíceis. Mas, saber que perdeu alguém por descaso, por descuido, por irresponsabilidade, de outros que colocaram a vida em último nível de prioridade é impossível de aceitar. Porque sabendo que poderiam fazer o certo e o necessário optaram por não fazê-lo, só para satisfazer o próprio egoísmo, os próprios interesses.

Que pena! O mundo dá voltas. E como dá! Nesse girar constante e desenvolto, sempre traz o imponderável pela mão. Pode ser que as posições se alterem. Que os ventos soprem a outro favor. Então, alguém lhe pergunta do que depende a sua vida? Aí, antes mesmo que se dê conta e consiga responder, descobrirá que se transformou de algoz em vítima e compreenderá o verdadeiro custo da sua insensatez.
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