05 agosto 2014

A casa dos sonhos

Por 
Luiz Khashoggi
Arquiteto e designer
Nilópolis - RJ
lckhashoggi@ig.com.br








A CASA DOS SONHOS

Há uma casa que está em nosso pensamento e que nos perturba durante anos, até que um dia nós resolvemos colocá-la em prática. E é aí que surgem os maiores tormentos. A escolha do terreno, do bairro ou cidade, a cara da casa, seu formato aberto ou fechado, que amigos vamos receber nesta casa, que móveis, quadros, tapetes vamos colocar... A angústia deste início é a mesma quando resolvemos melhorá-la, diminuindo seu tamanho ou ampliando-a. 

Houve um tempo em que se gastava muita energia na intenção de se resolver pequenos problemas. O pior é que hoje não mudou muito nosso raciocínio quanto à ideia de morar, principalmente no Brasil, onde a casa básica é um quadrado ou retângulo que os malévolos portugueses nos deixaram como herança nefasta. Mas, vamos neste sonho durante muito tempo, colocando em armários invisíveis da nossa vida a nossa responsabilidade de morarmos em um bloco geométrico que resolvemos chamar de casa.

Há ainda a casa indefinida do pensamento, que é aquela que o nosso patamar financeiro não alcança. A casa fidalga, que nos remete a sonhos distantes, a casa em que desejaríamos morar, a casa que era de um importante homem de negócios da cidade, com seus panos de vidro, seus jardins...  A casa ensolarada da viúva bela e que nos deixava com o desejo de estar lá.  A casa que tinha sempre, à tardinha, um casal de idosos na varanda tomando chá. A casa dos coqueiros enormes, a de muitas árvores que escondiam a casa, transformando-a num cenário bucólico de saudades da infância. A casa que gostaríamos de ter construído e não tivemos a coragem de fazê-lo.

Como dizia João Cabral de Melo Neto: “O homem é o animal mais bem vestido e calçado, ergue imensas paredes para se proteger do abismo horizontal do espaço, se isolando do ar abraçado.” E nós vamos vida afora nos defendendo de abismos horizontais, nos isolando de ares, porém sem abraços, já que colocamos enormes muros entre nossas vidas. Isto sem falar nos muros mentais.  

Somos estranhos. Realmente moramos muito mal, escondendo as nossas casas entre grandes muros. É a prova de que temos vergonha do que somos. Nossa mesquinhez do morar não fica somente aqui. Vai muito mais além do que supomos. Moramos em quadrados ou retângulos de medo e inveja.  E com toda certeza ainda não moramos nem na casa e nem na terra dos sonhos. Dito e feito: somos a estranha espécie dos sem tetos com tetos mal e porcamente acabados. 
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