20 janeiro 2016

O TRÁGICO BASTIDOR DA VAIDADE DESMEDIDA


O TRÁGICO BASTIDOR DA VAIDADE DESMEDIDA



Por: MARIA VIRGÍNIA BOSCO
Médica e Escritora - São Paulo - SP


                 O assunto é bem sério. Vira e mexe temos notícias de pessoas que morrem em decorrência de procedimentos estéticos, às vezes cirúrgicos e na maioria das vezes desnecessários, em busca do corpo e da beleza perfeitos.
            Num país tropical e muito liberal quanto à exposição pública dos corpos, assim que se aproxima o verão, aumenta assustadoramente a demanda por tudo quanto de beleza é anunciado na mídia, na promessa, algo ilusória, de transformar homens e mulheres irresistíveis ao outro.
            Os pré-operatórios para cirurgias estéticas abundam nessa época e
percebo que a ilusão das pessoas é como se pudéssemos configurar o apreço emocional e a aceitação social através dos tais procedimentos... Interessante que o “buraco” sociológico disso tudo é bem mais embaixo e duma complexidade enorme.
            Obviamente que a mídia se utiliza duma estratégia embasada na ciência do marketing e previamente já sabe qual perfil psicológico deve focar para a venda das ilusões, exatamente daqueles mais inseguros e que sonham com a eterna beleza da juventude, com o tal do corpo saradíssimo, com abdome tanquinho (que lavar roupa no tanque também promove!), enfim, mas que são perfis de consumidores da beleza que nunca serão satisfeitos com resultado algum, ainda que seja em algo realizado por profissionais autorizados e preparados, muitas vezes porque são portadores de graves transtornos psiquiátricos que transfiguram a autoimagem, com predisposições à anorexias e bulimias graves, muitas vezes subclínicas, enfim, transtornos da mente que cirurgia ou procedimento estético algum tem a capacidade de tratar e resolver.
            Conheci várias pessoas, na maioria mulheres, que viviam angustiadas com o peso, uma delas que media a espessura do seu “culote”, todos os dias, várias vezes ao dia, compulsoriamente e com fita métrica, porque uma polegada a mais poderia significar uma insatisfação do marido, extremamente exigente quanto à sua forma corporal. O "insano amor" dele era o perfeito culote dela! Patológico...convenhamos. Há muito tempo, conheci uma mulher que num espaço de pouco mais de um ano trocou três vezes a prótese de mama porque não havia acertado no tamanho...do marido. Ahã...
            Jovens, nas academias, fazem estripulias mil com energético e anabolizantes que causam complicações metabólicas perigosas, impacto no funcionamento de órgãos vitais, podendo levar ao aumento da pressão arterial, arritmias complexas e morte súbita, inclusive durante os exercícios, ou mesmo no repouso.
            As programas matinais em cadeia, esses das revistas das “comadres de televisão” então - Deus!- são um caos para a saúde da população! Ali todo mundo é médico! E o povo acredita em tudo! E na minha modesta opinião deveria haver um melhor controle por parte das agências de fiscalização sanitária, no que tange a tanta propaganda disso ou daquilo, prometendo resultados sem evidências científicas e colocando pessoas em riscos seriíssimos das automedicações com “perfumarias”.
            Nessa era de preencher tudo o que o tempo comeu e que ciência alguma devolve sem defeito, procedimentos estéticos sucessivos de rejuvenescimento transformam seres humanos em caricaturas de gente, e não é incomum vermos o que relato inclusive em "famosidades" que perderam a noção estética de si mesmas e fazem hipnose nas pessoas que acreditam que é bonito se transformarem em seres siliconizados e botoxizados. Refiro-me aqui aos exageros visuais sem indicações especializadas.
            Dia desses me deparei numa calçada com uma propaganda escrita a mão: “Aplica-se Botox - R$ 60 reais” num cabeleireiro de periferia. Vale ressaltar que tudo que se aplica no organismo humano e que não foi feito para ele tem riscos! Se disserem que não tem é mentira.
            Idosos também são alvos das promessas mirabolantes: É creme que estica aqui e acolá, que faz nascer cabelo, que faz subir o que caiu, que não deixa cair o que subiu, é cálcio de ostra para os ossos, é Omega 1, 2, 3, mil para a circulação que sumiu, é remédio para o colesterol bom e ruim, é Ginko Biloba de tudo quanto é origem duvidosa para a memória que o Alzheimer leva para sempre, é CHÁ DE FOLHA DE INSULINA, é farinha de tudo para o diabetes, é chá de batata, de salsinha, de alface, de chuchu, é cápsula de “maracujina” para o stress do país, é preenchimento das rachaduras que a vida faz e ninguém conserta, é cogumelo milagreiro, é complexo multivitamínico que promete a bomba de energia para a terceira idade voltar na energia da primeira infância, enfim, um absurdo às telas abertas.   Quando a coisa complica, pode ser tarde demais. A morte pode ser a via final comum dessa miscelânea prescrita por leigos na tela da televisão, cujo alcance é fantástico.
            Pensem comigo: se um telespectador disposto a rejuvenescer ou se curar de algo vier a ingerir, num só dia, uma pílula para as varizes, outra para os ossos, outra para o tumor, outra para energia, outra para a pele, outra para os músculos, outra para os cabelos, outra para emagrecer, outra para "bombar", outra para levantar o humor deprimido, outra para a memória, outra para a digestão, outra para a energia, enfim, podem acreditar, ele poderá adoecer gravemente sem sequer saber porquê.
Que rim aguentaria isso tudo? Aí sim, o problema poderá ser o do tão alvejado e culpado fígado... Nenhum organismo aguenta tanta maracutaia leve livre e solta.
            Outro dia li na internet “médicos morrem de raiva com o que descobrimos para a juventude!”. Não, quem poderá morrer é o foco da venda! Podem acreditar! Há pouco mais de uma semana, a mídia noticiou que uma modelo fumante, de vinte e oito anos, foi a óbito num procedimento estético simples. Estranhou-se. Mais tarde se descobriu que a mesma injetava anabolizantes veterinários nos músculos para aumentar o volume de suas pernas.
            Cabe avisar que cigarro, sozinho, gera um altíssimo risco de acidentes vasculares no decorrer da vida. Se simultaneamente usado com anovulatórios (anticoncepcionais orais) e ou demais anabolizantes quaisquer, se torna uma “ bomba” circulante que promove um quadro pró trombogênico, ou seja, faz com que o sangue coagule dentro das artérias e veias promovendo tromboses venosas e arteriais, com infartos e embolias de órgãos vitais, as mais frequentes, as cerebrais, cardíacas e pulmonares. Pode ter ocorrido tal infelicidade com a bela modelo. Uma pena.
            A pergunta: uma menina de vinte oito anos tem necessidade de preencher “bigode chinês”, algo que só ocorre muito mais tarde, a tal acentuação da linha de expressão, tão temida pelas mulheres, o sulco nasolabial? Se há um transtorno da auto- imagem, há de se encaminhá-lo para o tratamento com profissionais da área.
            E se há alguém que, para amar o outro exige a perfeição da matéria corporal a ponto de colocar a vida do ser amado em risco, mister se faz, urgentemente, tratar esse alguém do ponto de vista emocional, porque com certeza essa exigência não é normal do ponto de vista da saúde mental. A aceitação de si mesmo, com defeitos e qualidades que todos temos, é o único caminho para não se colocar a vida em risco nos procedimentos estéticos desnecessários.
            Reveja uma relação a dois quando a mesma coloca a forma física em primeiro lugar porque ela estará certamente fadada à falência precoce pelo vazio.
Quer ser eternamente jovem? Seja feliz! Busque a felicidade, porque felicidade é beleza viva!    Creme nenhum faz o efeito da felicidade na pele! E acredite: nós valemos muito mais do que a nossa simples aparência possa relatar ao mundo: que muitas vezes sequer nos enxerga, mas conosco é sempre muito exigente do nada.
            Ame-se: é o melhor caminho para se ser aceito e amado. O bastidor da vaidade desmedida pode ter um preço muito alto que só aquele que arrisca poderá pagar, inclusive com o preço mais alto: o da própria vida. Espero ter contribuído com algo útil que possa impedir riscos desnecessários à saúde de quem me lê.


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