A CONQUISTA DO PODER E O VALOR DA VIDA
por: Helmut Adolf Mataré*
Médico e escritor
Aspirar ao
poder ou querer dominar é a extensão do instinto de auto-conservação. Isto já se observa no comportamento dos
cachorros. Eles não permitem que um cachorro estranho ou um gato seja
introduzido no círculo da vida que lhes da subsistência.
Possuir um
poder é um fascínio. Um ditador, frequentemente, luta até a morte, para
permanecer na situação de mando. Quais são os métodos, para se chegar ao poder?
Numa tribo primitiva pode ser a força braçal ou guerreira que permite a
ascensão ao poder.
No século
passado foram os japoneses que dominavam grande parte da China com força
militar. Após a conquista de uma cidade ou região, eles firmavam-se no poder mediante
intimação. Com prisões e matanças
arbitrárias eles mostravam
aos chineses que o
poder dos ocupantes era ilimitado.
Nos tempos
bíblicos, a atividade religiosa ou profética era a fonte do poder. Crenças
alheias às do profeta eram severamente proibidas. “Não deixarás viva a bruxa!”
Os antigos astecas e incas tinham uma
lei idêntica: pena de morte para a bruxa.
Na Europa
medieval, uma coroação era um ato religioso. E, quem não acreditava em Deus ou Cristo, foi condenado à morte.
Assim, a igreja firmava-se no poder. Isto comprova que na idade média o mais
alto valor não era a vida, mas a submissão aos representantes da religião e aos
dogmas da igreja.
O preceito da
Bíblia que um homem que mata deve perder sua vida, era razoável, porque se
aplicava contra os que agiam por motivo torpe. Hoje, ao contrário, estamos no dilema
perante os assassinos sadistas ou terroristas, que vivem nas prisões ou que
estão em liberdade, porque eles possuem o mais alto valor que nós conhecemos: a
vida humana.
Numa sociedade
democrática é a retórica e a capacidade de hipnotizar as massas com argumentos atraentes ou lisonjeiros, que
leva ao poder. Quando proferidas com impecável pronúncia, estas promessas têm
força hipnotizante, notadamente, se visam riqueza, segurança ou glória.
Trezentos anos
atrás, alguns fundadores de religiões novas utilizavam-se de um recurso muito
primitivo, mas eficiente para ampliar o círculo de crentes: eles prometiam devassidão
sexual. Assim fizeram os anabatistas na Alemanha, no início de sua
atividade.
Os políticos
costumam apelar a um grande número de emoções. Ora são nobres ideais, ora
sentimentos de amor ou compaixão, ora indignação contra injustiças, ora o
contrário: a postulação de privilégios com os quais, sorrateiramente, prometem-se grandes lucros a determinada
classe ou agremiação partidária. Ora eles advertem um planejado ou iminente
terror, contra o qual advogam ser indispensável uma severa disciplina.
Entre outros
métodos de chegar ao poder, destaca-se ainda a incitação à histeria ou à autopiedade. Os comunistas usaram este
método. Também nos tempos atuais há pregadores que afirmam que o Cristo
crucificado é o símbolo da classe operária torturada e abusada. Assim, eles colocam-se
na vanguarda, se, por acaso, eclodir uma revolta dos operários contra as outras
classes.
Na revolução
francesa, certos advogados denunciavam o rei de ser um acaparador, o que era
mentira. Acusavam-no também de ser um proxeneta, o que, em parte, era verdade.
O rei Luiz XVI rebatia estas acusações com grande habilidade, durante três
anos, mas, sua defesa minguou, quando foram descobertos os documentos que
comprovavam que ele estava conspirando com os austríacos contra a França.
Também
Cristóvão Colombo entendia de demagogia. Sabendo que, em breve, ocorreria um eclipse da lua, ele
aproveitou-se da credulidade e religiosidade dos índios, para fazer-lhes crer
que ele estivesse familiarizado com o estado de ânimo do Deus da Lua. Ele
atribuía a visível diminuição da luminosidade da lua à tristeza do Deus da Lua,
por causa da desobediência dos índios a suas ordens de juntar o ouro para
ele.
Um semelhante
ardil foi usado pelos evangelistas. Eles deram a entender que Cristo não teria
sido condenado à morte pelos romanos, se os judeus de Jerusalém não tivessem
insistido na crucificação. Com esta acusação eles criaram uma consciência de
culpa na mente do simples povo de Jerusalém, culpa esta que eles, como arautos
de Javé, relacionavam ao merecido castigo. Pois, os judeus foram cruelmente
expulsos da Palestina, poucos anos depois do martírio e Gólgata.
Hoje estamos
assistindo, no Brasil, a uma estranha distorção de valores morais. A propaganda
enfoca a necessidade de combater a violência, como se a violência fosse sempre
um crime, e como se os crimes insidiosos não representassem nenhum perigo para
a sociedade. Esta distorção é evidentemente uma propaganda preventiva para uma
grande parte dos políticos que pertencem ao mundo do crime não violento,
chamado corrupção. Seria terrível para eles, se o povo brasileiro hoje reagisse
contra a corrupção com violência, de
forma semelhante como fez o povo francês mais de duzentos anos atrás.
Se estes
políticos que se confessam ser irrestritamente a favor da vida, fossem
honestos, eles cuidariam em primeiro lugar da eliminação dos grandes criminosos
que, mesmo nas prisões, continuam a comandar matanças, terror e intoxicações.
Se os políticos amassem o povo, eles seguiriam a Bíblia e mandariam verter o
sangue daquele que verteu sangue alheio.
Tudo indica
que os maometanos perceberam a hipocrisia que tomou conta do mundo ocidental.
Eles iludem-nos, mostrando que eles conhecem um número maior de valores que
nós. E com muito orgulho lançam mão de vidas humanas e de suicídios, para
cultivar seus ideais.
Temos hoje
quatro ideologias no Brasil que restringem o livre fluxo do pensamento sobre a
vida humana. A primeira provém do poderoso mundo do crime, que deseja proteger
os corruptos. Ela invoca o direito à vida para todos, e a proibição de toda
violência. Essa é a orientação de nosso governo.
A segunda
doutrina é aquela que combatia antigamente a escravatura. Ela ressalta a
igualdade e o direito à autodeterminação dos homens. Essa ideologia
abolicionista, se bem que perdeu em importância, ainda está viva no Brasil e
distorce a noção do direito penal e cível.
A terceira
pedra de toque é o repúdio gerado pelas notícias de matanças em massa, chamadas
genocídios, ocorridos na União Soviética, na Alemanha nazista e na China
comunista. Nestes países, os políticos determinavam, se uma vida era útil ou
não. A reprovação destas matanças é tão emocionante, que paralisa o raciocínio
sobre a pena máxima, sobre a mortalidade infantil e sobre a limitação dos
nacituros. A maioria das pessoas que se orgulham de condenar solenemente o
holocausto e as limpezas étnicas e políticas, perdem de vista o problema
crucial de nosso tempo, que é o aumento da humanidade, que se transformou numa
praga de carne viva.
A quarta
perturbação do pensamento filosófico provém do incrível avanço da medicina,
mormente da medicina social e da popularização da medicina individual, que
antigamente era uma arte secreta, e hoje é acessível a todo cidadão. Os
políticos aproveitaram este progresso
abalroante, para fazer do tratamento médico um direito, que a constituição e a
lei chamam impropriamente: o direito à saúde.
Verdade é que a
lei suprema da profissão médica é a conservação da vida humana. Mas esta ética,
própria da classe médica, não pode ser estendida aos três poderes que regem um
país. Outros profissionais, por exemplo, um fazendeiro, um cientista, um
artista, um capitão de belonave, um astronauta, um explorador, um inventor têm
ideais totalmente diferentes, e, evidentemente, os celerados e facínoras também
não pensam sobre a vida como um médico.
Se os poderes
públicos adotam cega e estupidamente a ética da classe médica, eles cometem um
crime avassalador contra a Mãe Terra e, com isso também contra a país ao qual
deveriam dedicar-se.
Pois o globo
terrestre que tem treze mil quilômetros de diâmetro, possui vida em terra firme
somente até a profundidade de noventa e cinco centímetros, exceto nos desertos.
Esta tênue e delicada camada viva deveria ser protegida em primeiro lugar.
A vida da Mãe Terra deveria figurar
como valor supremo e como critério principal
de toda jurisdição e ordem pública. Somente assim haveria esperança de
evitar-se uma catástrofe total.
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* Helmut Adolf Mataré. Nasceu na Alemanha (Aachen) em 24.12.1917 e faleceu em janeiro de 2016. Estudou medicina (sua especialidade era a radiologia) durante a guerra e participou de diversas campanhas. Foi médico de um batalhão de infantaria na frente contra a União Soviética, época em que ele narrou essa experiência no livro "A Guerra nos Pântanos". Estudou no Canadá francês, e nos anos 50 veio radicar-se no Brasil, vivendo nas cidades de São Paulo e Bertioga. Foi sócio-fundador da Sobrames-SP (1988), tendo participado na diretoria da entidade em diversas gestões. Autor dos livros "Memórias de um Médico na Segunda Guerra Mundial" e "A Bíblia tão desconhecida". Foi membro titular da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.
** Este texto foi escrito em 1999.
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