04 julho 2014

Cachalote

Por 
GUSTAVO BARBOSA ROSSATO
Escritor e Servidor público
Jundiaí - SP
gustavobarbosarossato@gmail.com








CACHALOTE

Resenha baseada na Graphic Novel de Daniel Galera e Rafael Coutinho

O som do piano ressoa por entre as paredes da mansão. A cena de um filme projeta um homem consolando uma mulher em prantos. Uma sucessão de imagens decifradas através de um belo traço transcende ao que muitas vezes a leitura convencional, aquela feita apenas por palavras, não consegue traduzir: O som do silêncio.

E com as mãos de uma velha senhora gestante acariciando uma grande baleia, inicia-se a graphic novel (ou novela gráfica, como preferir) Cachalote. 

Lançada em meados de 2010, marca a estreia de Daniel Galera, um dos nomes mais interessantes da nova literatura (essa tal de geração zero zero) no gênero considerado um subgênero por muitos, as HQ´s. E vem bem acompanhada do artista Rafael Coutinho, filho do ilustre cartunista Laerte.

As cenas desenhadas sob a prosa de Daniel Galera mostram como se escreve de verdade nos quadrinhos. O texto está além dos balõezinhos com as frases e os diálogos. Cada quadro é uma letra nova de um alfabeto próprio e mostra quão genuína é a arte sequencial. 



Seis histórias estão divididas em três partes. A cena inicial, descrita no primeiro parágrafo deste texto, não será desenvolvida no miolo do livro. O leitor não vê o amadurecimento da história formada apenas por uma senhora grávida e sua baleia onírica. Mas são com esses mesmos personagens que o livro se fecha. 

Já as outras cinco constroem quebra-cabeças com imagens diferentes, mas em todos os quadros dá-se a impressão que falta uma peça importante para o desenvolvimento dos personagens. Se esta imagem fosse a de uma grande baleia cachalote, a peça perdida provavelmente seria o estômago. Como se o alimento entrasse pela superfície, mas não seria digerida totalmente. 

Depois da introdução, é mostrado um ator de cinema chinês conhecido como Xu Dongsheng. Visivelmente acima do peso, é quase um clichê dizer que está decadente. Vem ao Brasil promover seu último filme de artes marciais tendo como premissa um retorno triunfal do astro. Durante sua estadia em um hotel chique na companhia de mulheres e bebidas, um colega ator comete suicídio. Sua reação indiferente o transforma em suspeito. 

Hermes é um escultor que vive isolado em sua casa no campo. Seu trabalho com as pedras de mármore revela aos poucos uma obsessão contida. Encontra um diretor de cinema disposto a transformar sua vida em filme. O cineasta quer dissecar o cotidiano do escultor misturando realidade com ficção. 

Um jovem chamado Vittorio vive aventuras eróticas no estilo bondage japonês com garotas que seguem o mesmo padrão estético. Uma menina linda e delicada (fugindo desse padrão) entra na vida do rapaz e descobre suas fantasias não convencionais. Ela está disposta a compartilhar a experiência, mas sua pele não se adapta às cordas que Vittorio a prende. Quanto mais apertada, mais destrutivo é o processo. 



Rique, um órfão de pai e mãe, vive com seus tios ricos. Uma relação complexa entre tios e sobrinho o faz viajar por tempo indeterminado na Europa. Em Paris, encontra Dante que vive ilegalmente com sua namorada Nádila. Os dois viram um ponto de sustentação para Rique, que não consegue enxergar o desprezo de não saber fazer nada. 

E por fim Túlio, um escritor deprimido. Tem uma relação amistosa com sua ex-mulher que também possui problemas emocionais. Eles se vêm constantemente e seus encontros estão além de fazer a filha criança observar a mãe e o pai no mesmo lado. Os dois ainda precisam um do outro para construir uma nova página em suas vidas. 

Essas histórias não se cruzam em nenhum momento do livro, e não existe uma separação de quando uma começa e outra termina. Ao ler estranhei a ausência dos números nas páginas. Essa organização própria dos autores me fez sentir flutuando numa piscina quando seus pés não tocam mais o azulejo e você precisa erguer a cabeça para continuar respirando. 


O livro está além de descrever a solidão. Trata também sobre a insegurança. A dificuldade de se desconstruir ou reinventar. Descer aos reinos abissais do oceano frio e ver criaturas sem as formas familiares. A sensação ao final da leitura é a de boiar em uma piscina incapaz de enxergar sua profundidade.


BAIXE A EDIÇÃO EM PDF
   

Nenhum comentário:

QUE PENA! O MUNDO DÁ VOLTAS

Por: ALESSANDRA LELES ROCHA Professora, bióloga e escritora Uberlândia - MG Algum dia você já se perguntou do que depende a s...