04 julho 2014

Giacomo Puccini

Por 
LUIZ GONDIM DE ARAUJO LINS
Psiquiatra e escritor
Rio de Janeiro - RJ
luiggondim@gmail.com








GIACOMO PUCCINI

Um dos maiores talentos musicais e dramáticos de todos os tempos, Giacomo Antonio Domenico Michele Secondo Maria Puccini detestava a música quando criança. Porém, a genética exerceu forte influência, posto que ele representava a quinta geração  musical em sua família.

O pai, Michele Puccini, foi professor, compositor e organista em Lucca, cidade da Itália onde Giacomo nasceu em dezembro de 1858. Foi o quinto de sete filhos. Ficou órfão de pai aos seis anos e o tio, Fortunato Magi, o encaminhou ao Istituto Musicale Pacini.

Aos onze anos, sua mãe conseguiu uma pensão que lhe permitiu estudar em Milão, cidade dos sonhos dos jovens de talento na Itália daquela época. Teve lembranças penosas das aulas de piano quando menino, pois ao errar uma nota, recebia uma canelada de seu professor. Anos depois, quando ouvia uma nota falsa, o pé lhe saltava para cima, tal a profundidade do condicionamento. Aos vinte anos, já em Milão e ainda pobre, suas refeições eram sopa e feijão.

Puccini foi um homem atraente, sempre teve irresistível atração pelas mulheres, primando pela infidelidade; viciado no jogo carteado, onde contraiu muitas dívidas. Gostava de beber e de caçar, extremamente vaidoso, não admitia derrotas e era pão duro.

A melodia de Puccini se constitui numa espécie de clorofórmio que acalma os sentidos e adormece o intelecto. O narcótico de sua música foi destinado a encantar o mundo. “A música das óperas de Puccini não há de ser cantada apenas com a garganta, mas também com o coração”.

Puccini é considerado o pai do teatro musical moderno. Percorreu labirintos românticos com toques poéticos sutis e personalíssimos. Isso não impediu críticas dirigidas a algumas de suas óperas, a saber: Influência da “Carmen”, de Bizet, no segundo ato de “ La Bohème”; Passagens de “Tristão e Isolda”, de Wagner, na abertura do terceiro ato de “Manon Lescaut”, o belíssimo Intermezzo; As marcas das últimas óperas de Verdi, de quem foi profundo admirador; Lembranças de Debussy, em “Madame Butterfly”; Influência da “Sagração da Primavera”, de Stravinsky, em sua última ópera  “Turandot”.   Aliás,Turandot também estaria relacionada a uma coleção de caixas de música, oriundas de Pequim, que lhe foram cedidas por um amigo. Antes de completar essa ópera, Puccini faleceu, sendo ela terminada por seu pupilo Franco Alfano (apenas as duas últimas cenas).

Arturo Toscanini conduziu a ópera Turandot em sua estreia, em abril de 1926, na presença de Benito Mussolini. Ao chegar ao ponto em que Puccini a interrompera, ele parou de reger dizendo: “aqui o maestro abaixou sua caneta”.




Quando Puccini alcançou enorme popularidade, tornou-se um elegante Don Juan, passando a ser assediado por um número elevado de mulheres, inclusive casadas. Uma delas, de nome Elvira Geminiani, casada com um comerciante de Lucca, abandonou o marido e fugiu com o compositor, num relacionamento que durou dezoito anos. Embora amando Elvira, desfrutou, concomitantemente, de várias outras mulheres de todas as classes sociais.
No que concerne às leis do amor, há um divisor de águas, real ponto de desencontro entre o homem e a mulher. Enquanto esta prima pela continuidade, aquele está em  permanente descontínuo. Ela está ligada a uma cadeia, sucessão de elos que envolvem o prazer, sem um pico culminante; ele precisa atingir ao pináculo, sem antes e sem depois, importando, apenas, chegar àquele objetivo. Puccini não escapou a esse princípio inexorável.

Eram dois compartimentos bem distintos: o artista genial e o bicho homem. Passou a ser chamado de Monsieur  Butterfly. Uma criada do casal Puccini, de nome Doria, acusada de ser amante do compositor, tomou veneno e morreu. A autópsia veio a revelar que era virgem. Diziam de Puccini: “ele suga todas as flores e varia a cada momento”. Ao que ele retrucava: “no dia em que eu não mais me apaixonar, poderão encomendar-me o enterro”.

Sua vida privada ensejou uma série de anedotas e aí vai uma delas: enquanto se hospedava em um elegante hotel de Viena, no período de fama, uma bela mulher foi visitá-lo. Estando de pijama, sentiu-se pouco à vontade, pediu desculpas e foi ao quarto para se vestir. De volta, encontrou a mulher nua. Pensou: “essa mulher é louca, mas, pensando melhor, acho que seria perigoso lutar contra a loucura, quanto mais se tratando de um espírito louco encerrado em um corpo tão bonito”.

Acima de tudo, Puccini adorava a solidão, quando se sentava ao piano, chapéu na cabeça, fumando, elaborando temas de novas canções. No cenário, um lago de prata contrastando com o céu noturno.

Puccini, já famoso, buscava o intérprete principal para “La Bohème” e, entre diversos candidatos, estava Enrico Caruso. A ária escolhida foi “Che gelida manina”, tendo Caruso vacilado num “dó agudo” próximo ao final, perdendo, assim, sua chance. Para o grande tenor, isso foi um grande desafio, que ele aceitou e venceu, tornou-se amigo íntimo de Puccini, vindo a ser o mais brilhante intérprete de suas óperas.

A primeira ópera “Le villi” (1884), sobre os campônios da Floresta Negra da Alemanha, participou de um concurso e não ganhou prêmio. Ele ficou decepcionado, posto que seu colega e amigo  Pietro Mascagni obtivera sucesso pleno com a ópera “Cavalleria Rusticana”. Em 1889, a segunda ópera, “Edgar” foi um fracasso que quase conduziu Puccini ao desânimo. Mas, em 1893, “Manon Lescaut” foi grande sucesso.

Em 1886, “La Bohème”, no teatro Regio, em Turim, arrebatou as plateias. Sua linha melódica atinge a plenitude, somada à concisão quase epigramática dos diálogos. São raras as óperas que mantêm durante toda a sua extensão (duas horas aproximadamente) os esplendores poéticos, misto de tragédia e humor. As árias “Mimi” e “Che gelida manina”, além do dueto “O suave fanciulla” são arrebatadores.

Em 1900, ocorreu a estreia de “Tosca” (amor, ódio, revolta, inconformismo, tragédia). Narra a história de um pintor romano condenado à morte pelo chefe de polícia. As árias “Recondita armonia”, “Vissi  d’arte” e “E lucevan le stelle” (despedida da vida) apaixonam pela beleza e grandiosidade. Nesta última, é incrível o clarinete anunciando a rica melodia. No entanto, a peça foi duramente criticada por Gustav Mahler.

No ano de 1904, no teatro Scala de Milão, “Madame Butterfly” foi lançada. Fracasso inicial daquela que viria a ser das óperas mais populares do mundo, narrando a história muito triste de uma gueixa japonesa que se apaixona por um tenente da marinha americana. O “dueto de amor” é considerado o mais belo de todas as óperas. Talvez a peça seja a mais sonora de todas compostas pelo mestre de Lucca. Puccini rescreveu a ópera, modificando o tema da entrada da Butterfly, dividiu em dois o segundo ato, que era muito longo e suprimiu as referências grosseiras e inoportunas do tenente Pinkerton aos hábitos alimentares do povo japonês. O filho do casal teve como nome Desgosto.

Destaque-se, ainda, o “tríptico” composto de 3 óperas curtas: “Gianni Schichi”, “Suor Angelica” e “Il tabarro”. A última ópera do mestre italiano foi “Turandot”.  Versa sobre uma antiga lenda chinesa de uma princesa frígida que submetia seus pretendentes à solução de três enigmas, sob pena de perderem a vida caso falhassem. Outras óperas poderiam ser citadas: “La fanciulla del west” (enorme sucesso nos Estados Unidos) e “La rondine” (grande lirismo).

Puccini era muitíssimo exigente, beirando ao perfeccionismo, levando anos para compor uma ópera. Apenas em 1968 ele foi reconhecido na Alemanha. O grande inventor Thomas Edson, admirador do mestre italiano, deu-lhe um gramofone de presente.

Quando compunha “Turandot”, Puccini sentiu uma indisposição; foi diagnosticado um tumor maligno, o qual foi tratado por um renomado especialista da Europa. Ele sofreu muito, já era diabético, não mais falava, se comunicava por bilhetes. Faleceu em 29 de novembro de 1924, em Bruxelas e o corpo retornou à Torre do Lago, palco maravilhoso de suas grandes criações e lá permanece até hoje. Puccini inspirou o futuro Teatro Musical e foi imortalizado por sua grandeza incomparável e inspiração divina.


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OPINIAS - Ed.02 - Junho 2014



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