CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA
Engenheiro
Santo André - SP
carlos@sabbahi.com.br
VINHOS DE TERROIR
Na coluna de hoje, vamos começar a desvendar a geografia do vinho. O cultivo da vinha - bem como a cultura em torno do vinho - está intimamente ligado a diversos fatores, entre eles o lugar em que são cultivados os vinhedos, a história dessa região, o clima, a mão de obra... Os europeus, principalmente os franceses, chamam há muito tempo essa soma de fatores de terroir, e esse conceito se espalha mundo afora. Hoje em dia, quando se quer tomar como exemplo um vinho autêntico, regional, que segue as tradições do lugar onde é feito, diz-se que é um vinho de terroir.
A mais difundida divisão geográfica no mundo do vinho é a divisão em “Velho Mundo” e “Novo Mundo”. Por Velho Mundo entende-se as regiões pioneiras no preparo do vinho. Dizem que o plantio de uvas surgiu entre o Oriente Médio e os Bálcãs, sendo levado para a Europa primeiramente pelos povos gregos, a partir do sul da Itália (que naquela época chamava-se Enotria - terra do vinho), e depois foi difundido pelos romanos para o restante do continente europeu.
Com o passar dos séculos, na Era dos Descobrimentos, a vinha chegou à América trazida pelos padres espanhóis e portugueses, que precisavam produzir vinho para a celebração da missa na Terra Nova. Algum tempo depois, os ingleses também levariam as videiras para suas colônias na Oceania e na África. Mas foi somente depois de muito tempo, já no século 19, que a cultura do vinho se estabeleceu realmente em países como os Estados Unidos, Chile, Argentina, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul - estes são os maiores produtores entre os países mais comumente chamados como o “Novo Mundo” do vinho.
Genericamente, afirma-se que foram os produtores do Novo Mundo que difundiram os chamados vinhos varietais - aqueles feitos com apenas uma variedade de uva - o que simplificou a identificação nos rótulos e popularizou o consumo de vinho; ficou mais fácil para o consumidor iniciante identificar o que estava comprando, já que os produtores europeus - salvo poucas exceções - costumam classificar seus vinhos em função do local em que é produzido. Em muitos lugares, esse sistema de “apelações de origem” é centenário! O francês sabe que se comprar um Sancerre tinto ou um Volnay da Borgonha estará comprando um vinho de pinot noir, enquanto que um chileno, por exemplo, compra uma garrafa de pinot noir, que pode ou não ter em seu rótulo a procedência geográfica das uvas com as quais foi elaborado. Hoje em dia, alguns países europeus, como a Grécia e até mesmo Portugal, têm produzido muitos vinhos varietais, mais “globalizados” e padronizados no gosto predominante no atual mercado internacional - vinhos encorpados e frutados, para serem bebidos jovens - e por isso são considerados o “Novo Mundo no Velho Mundo”. Por outro lado, enólogos do Novo Mundo - até mesmo no Brasil - estão cada vez mais empenhados em elaborar vinhos de terroir, pesquisando os melhores lugares para cada cepa, de maneira que este local resulte em um vinho autêntico, sem igual.
Cabe ressaltar que a vinha se dá bem principalmente em zonas subtropicais, até mais ou menos o paralelo 45, e que algumas cepas, chamadas de “castas internacionais”, se adaptam bem em qualquer terreno dentro dessa faixa, mas sempre resultando em vinhos com características diferentes, dependendo das características de cada terroir. São alguns exemplos o cabernet sauvignon (pronuncia-se cabernê sovinhon), o merlot (merlô), o chardonnay (chardoné).
Nos países europeus, a classificação qualitativa dos vinhos obedece a um padrão mormente geográfico, sendo categorizados em ordem crescente em vinhos de mesa (vin de table, vino da tavola), vinhos regionais (vin de pays, vinhos IGP - indicação geográfica de procedência), e vinhos AOVDQS (apelação de origem para vinho de qualidade superior), que por sua vez se subdivide em apelações mais específicas, como DOC (denominação de origem controlada) e DOCG (denominação de origem controlada e garantida, o equivalente à francesa AOC – appelation d’origine controlée). Mas como toda regra, esta também tem exceções, pois a classificação nestas faixas é uma convenção dos institutos responsáveis para que os vinhos produzidos dentro de cada apelação mantenham uma certa padronização. A legislação pode reger, entre outros fatores, as cepas utilizadas, a produção máxima de uva por hectare de vinhedo, o tempo de maturação do vinho etc.
Mas às vezes acontece de alguns produtores fugirem dessas regras e produzirem vinhos excepcionais. Talvez o caso mais conhecido seja de alguns produtores da Toscana que, cansados da mediocridade que a região vinha produzindo escondida atrás da denominação de Chianti - que em meados da década de 70 só permitia o uso da uva típica sangiovese - passaram a plantar cepas internacionais e produzir vinhos mais encorpados e frutados que receberam o apelido de supertoscanos, cortes de cabernet sauvignon, merlot e até mesmo syrah (sirrá) com a sangiovese, que alcançaram grande fama internacional e atingiram altíssimos preços no mercado, mesmo sendo desclassificados para vinho de mesa por não obedecerem às normas da apelação. São exemplos os famosos vinhos “aia” - Sassicaia, Solaia e Ornellaia. Hoje em dia, devido ao seu sucesso e consequente aumento de qualidade dos vinhos da região em geral, estes vinhos receberam a categoria IGP.
Podemos então chegar à conclusão de que a classificação dos vinhos em apelações regionais pode servir como uma boa referência, mas não como um valor absoluto em termos de qualidade. Mais uma vez, o estudo e o conhecimento dessas apelações são importantes para o amador de vinhos ter um referencial do produto que está comprando, mas é o seu gosto pessoal que vai definir qual a melhor escolha para o momento - se um Chianti leve com toques de frutas vermelhas e especiarias ou um supertoscano potente, tânico e puxado a frutas negras.
Outra dica importante para o amador iniciante é passar a acompanhar algumas publicações sobre vinhos, até mesmo pela internet, e com o tempo ele certamente perceberá uma afinidade maior com o gosto de um ou mais críticos, o que pode render boas indicações.
Na próxima edição, passaremos a destrinchar os maiores países produtores de vinho e suas principais apelações.
À la prochaine! Santé!
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DICA DO MÊS
E por falar em vinhos de terroir, a dica do mês é a linha de vinhos da Vallontano. Há algum tempo Luiz Henrique Zanini desistiu da carreira na metrópole e, buscando suas raízes italianas, se tornou vinicultor no Vale dos Vinhedos, ao lado da sua esposa, sendo um dos brasileiros abnegados a produzir vinhos que traduzem a sua terra.
Com uma ótima linha-base de tintos (cabernet sauvignon, merlot e tannat), branco (chardonnay) e excelentes espumantes - todos com muito boa relação preço/qualidade - a Vallontano lançou recentemente o Oriundi, em uma joint-venture com a italiana Masi “o rei do Amarone” renomada vinícola que tem por característica utilizar o apassimento das uvas para a elaboração dos vinhos, o que resulta em uma maior estrutura, densidade e fruta mais exuberante. Corte de tannat com uvas típicas italianas (teroldego, corvina, recantina e turqueta), utilizando a técnica de deixar passar parte das uvas antes da prensagem. Tive a oportunidade de prová-lo no pré-lançamento, safra 2011, no Encontro Mistral deste ano (a importadora é sua distribuidora exclusiva) e fiquei realmente impressionado com a alta qualidade: com aromas complexos de frutas vermelhas e negras em compota, alcaçuz e uma pontinha de especiarias como um bom amarone, na boca tem taninos finos e uma acidez viva, que o fará acompanhar muito bem um bom prato italiano, com carne e molho vermelho.
Mas não esperem nos vinhos da Vallontano a doçura e a potência como os vinhos chilenos e argentinos mais conhecidos. Como os bons oriundi, Zanini prefere o refinamento, a elegância e a facilidade de harmonização dos bons vinhos europeus e tem imprimido essas características em suas criações.
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