20 novembro 2014

Vinhos de guarda

Por 
CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA
Engenheiro     
Santo André - SP
carlos@sabbahi.com.br








VINHOS DE GUARDA

Salut, les amis! 

Uma das maiores falácias do mundo do vinho é que, quanto mais velho, melhor. Essa afirmativa não condiz com a realidade. Assim falava Cícero, já no séc. I a.C.: “Homens são como vinhos: o tempo apura os bons e azeda os maus”. Então, qual a característica comum dos vinhos capazes de envelhecer, e o que ganhamos em guardá-los e deixá-los para envelhecer?

Depois de armazenado na garrafa, os vinhos ainda sofrem muitas transformações nas substâncias que os compõem. Elementos químicos são oxidados pela presença - ainda que pequena - de oxigênio, taninos sofrem polimerização e concentração, alguns ácidos podem se cristalizar... Tudo isso altera as características do vinho, e por isso alguns enófilos-filósofos contemplam que o néctar de Baco é uma bebida viva.

Podemos dizer que são três as substâncias presentes necessárias para um bom envelhecimento dos vinhos: os taninos, a acidez e os açúcares. Quando um vinho possui pelo menos duas dessas substâncias em destaque, podemos avaliar que ele tem alguma possibilidade de envelhecer bem.

Os taninos, substâncias antioxidantes que inclusive fazem muito bem à saúde do organismo humano por essa característica, são notadas principalmente no vinho tinto pela sensação de secura e adstringência na boca. A acidez é notada pelas laterais da língua e pelas bochechas, e é a característica que nos faz perceber um vinho refrescante, que faz nossa boca salivar. A doçura pode ser notada tanto pela presença do açúcar residual ou pela presença marcante de álcool - o álcool por si só é doce e convém lembrar que ele é proveniente da fermentação do açúcar; a grosso modo, quanto maior o teor de açúcar no bago da uva, mais alcoólico será o vinho.

Na coluna anterior, escrevi que a grande maioria dos vinhos “modernos”, aqueles produzidos no estilo “Novo Mundo”, principalmente varietais, tem a tendência de serem produzidos para serem bebidos jovens, ainda cheios de aromas de fruta, superestruturados, com muito álcool e “doçura”. Mas se esse é o gosto corrente, o que ganhamos em deixar os vinhos guardados por anos a fio em uma cave?

Complexidade é a sensação procurada por quem guarda os vinhos. Mesmo vinhos produzidos nesse estilo moderno, quando possui as características - estrutura de tanino, acidez e doçura - para envelhecer, desenvolvem com o tempo aromas que provêm das lentas reações químicas provenientes da micro-oxidação, enquanto a polimerização dos taninos suaviza a degustação destes vinhos no palato tornando-os mais “elegantes” na boca, mais aveludados, mais sedosos.

Os aromas de um vinho dividem-se em: primários (aqueles originados da cepa propriamente dita - groselha, amora, framboesa etc. nos tintos, acácia, tília, cítricos etc. nos brancos); secundários (que provêm da fermentação e do processo produtivo - maçã, lichia, abacaxi etc. nos brancos e morango, cravo, esmalte ou banana – sim, nos tintos que sofrem maceração carbônica encontramos aromas de banana!); e os terciários, aqueles que só aparecem com o tempo, após o descanso na garrafa (caramelo, couro, carnes de caça, terra, cogumelos, folhas secas, trufas, figos etc.). A princípio pode parecer esquisito ou até ruim, mas definitivamente não é! Somente um bom vinho de guarda pode nos proporcionar essa grande paleta de aromas.



Na prática, podemos saber se um vinho tem características de guarda sem prová-lo? Os próprios produtores nos dão algumas pistas: vinhos tintos de guarda tendem a ter melhores embalagens, cápsulas (aquele “selo” que cobre a rolha) de chumbo ou outro material de boa qualidade e rolhas longas de cortiça maciça. Os vinhos produzidos para serem bebidos jovens muitas vezes têm rolhas de cortiça compensada, sintéticas ou mesmo tampas de rosca (screw-cap), e cápsulas mais simples, de plástico ou plástico metalizado. Estudando um pouco as regiões produtoras e as “apelações” de vinhos, também temos boas dicas de onde podemos encontrar com mais facilidade bons exemplares de guarda; para citar alguns exemplos: na França - Bordeaux e Bourgogne, na Espanha - Rioja e Ribera del Duero, na Itália - Barolo e Brunello di Montalcino, em Portugal - Porto e Douro. O ideal seria se pudéssemos comprar sempre mais de uma garrafa do vinho escolhido para a guarda, e ir acompanhando sua evolução ao longo do tempo...
Outro ponto: vinhos tintos concentrados, escuros, com reflexos púrpura, quando envelhecidos tendem a buscar tonalidades mais claras, rubis, granadas, com reflexos acobreados, alaranjados, atijolados. Por outro lado, vinhos brancos, que quando jovens em sua grande maioria são claros, com uma tonalidade do palha ao amarelo claro, citrino, tendem a escurecer, ficar dourados, com reflexos âmbar e até mesmo acobreados. Mas essa paleta de cores nem sempre quer dizer que os vinhos envelheceram bem, mas apenas que envelheceram... Mas de uma coisa estejam certos, amigos leitores: nunca vi um enófilo arrependido de ter guardado uma ótima garrafa de vinho durante alguns anos antes de ter o prazer de degustá-la, ainda melhor!

Au revoir! Santé!


“Deve-se estar sempre ébrio, simples assim, essa é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do tempo que enverga seus ombros e lhe inclina para o chão, é preciso se inebriar sem parar.  Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à sua própria sugestão, mas inebrie-se! E se alguma vez, nas escadas de um palácio, ou sobre a grama de um fosso, você despertar com a embriaguez já abrandada ou curada, pergunte ao vento, às ondas, às estrelas, aos pássaros, ao relógio; a tudo isso que flui, a tudo isso que geme, a tudo isso que rola, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são. E o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: é hora de se inebriar; para não ser um escravo martirizado do tempo, inebrie-se, inebrie-se sem parar de vinho, de poesia, de virtude, à sua própria sugestão.” 
Charles Baudelaire, Inebrie-se. Em Les Petits Poèmes en Prose.  (Em tradução livre.)
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