Aos 13 anos de idade meu pai fez a loucura de presentear, a mim e ao Ivan Galvão, com duas carabinas de chumbo. A minha era
uma Rossi. A dele, não lembro a marca. Como o pai tinha conta no armazém (e no
armazém vendiam caixinhas cheias de chumbo) nos tornamos exímios atiradores. Às custa de centenas de pardais que, naquela
época, ensinavam, era uma praga vinda nas caravelas portuguesas. Se adaptaram
ao Brasil, tomaram conta das cidades e empurraram os demais passarinhos da
terra para o campo. Eram, portanto, uma praga.
Pois diga isso a dois moleques pré-adolescentes, com duas carabinas de
chumbo na mão, e imagine você o estrago que eles vão fazer. Matei tanto pardal
e fiquei tão craque na espingarda, que certo dia resolvi tirar uma fininha de
um beija-flor, que sugava néctar de uma flor de mamoeiro. Mirei um pouco atrás
dele e me lembro que pensei: "Sou como um deus. Posso decidir se esse
beija flor poderá viver ou morrer".
E apertei o gatilho para o
chumbo só tirar uma fininha dele. "O chumbo assobia no ar e dá um susto no
passarinho, que fica procurando de onde veio o assobio que passou perto da orelha dele" - pensei.
Essa era a intenção, já que eu só matava pardais. O que eu não sabia
era que -beija-flor voa para trás e no momento do tiro ele se deslocou rápido.
O chumbo o atingiu em cheio. O bichinho caiu fulminado, na hora. Pulei o muro
(o mamoeiro ficava no quintal do vizinho) e fui buscar o beija-flor. Olhei
aquelas peninhas azuis esverdeadas e prateadas. O biquinho longo. A delicadeza
do corpinho minúsculo. A perfeição da Natureza nele. Entenda como quiser,
acredite se quiser, quase que "ouvi" um pensamento forte, muito
forte, soar dentro do meu crânio: "Pois quero ver se você é Deus agora
para dar vida novamente à esse bichinho tão delicado que você acaba de
matar".
A dor do arrependimento foi enorme, meu coração parece que se contraiu
por dentro. Senti como nunca o ato que fizera. Embrulhei o beija-flor num
paninho, fiz uma cova no canteiro de casa e o sepultei ali. Peguei a
espingarda, joguei fora a caixinha de chumbo e guardei a arma no fundo do
guarda-roupa de meu pai e disse para mim mesmo: "NUNCA MAIS! Você tem o
poder de tirar uma vida. Mas não pode fazê-la voltar".
Meus pais se
mudaram, a espingarda sumiu. Nunca mais a vi. A dor desse arrependimento eu nunca
mais esqueci. Aí, meses atrás, andei vendo uma carabina para comprar. Puxa, eu
tinha sido tão craque com uma dessas. Será que conseguiria acertar os mesmos
tiros tão precisos como antigamente? Mas me lembrei do beija-flor. Saí da loja.
Nunca mais, pensei de novo. Nunca mais. Mas achei uma ideia muito boa: trocar o
chumbinho por uns feijões. Vou pensar nesse caso. Bom... a história é essa e
infelizmente é verídica.
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Por: Leonidas Galvão Avellar Pires
Bancário e Jornalista - UBATUBA - SP
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