20 novembro 2014

Conectados em tempo real

Por 
YSSE ELIAS HERCHANI FILHO
Empresário da tecnologia
São Paulo - SP
ysse.mc@uol.com.br








CONECTADOS EM TEMPO REAL

Você se lembra como eram os meios de comunicação do passado e como eram usados? Se você queria se comunicar com alguém que fosse próximo, você teria que se deslocar até onde esta pessoa estivesse para então falar. Se fosse com alguém que morasse em outra cidade, você teria que sair de sua casa, se deslocar até uma agência de correio e enviar uma carta. 

Essas duas opções ainda são válidas e sua prática sempre leva a uma situação de exposição e convívio social, pois no caminho para realizar a sua comunicação, você vê e é visto por outras pessoas e, caso queira, pode interagir com elas.

Passado o tempo e já utilizando um pouco mais de tecnologia, passamos a contar com o telégrafo, que também tinha que ser utilizado nas agências dos correios e, mais uma vez, sair de casa e ter contato com outras pessoas ao longo do caminho. Esta forma de comunicação, por questão de economia (o custo de um telegrama era cobrado por caractere transmitido), tinha- -se que escolher muito bem as palavras para assegurar que o teor não seria prejudicado. Para não termos que percorrer todo um caminho evolutivo, veja a seguir uma imagem onde retrato de maneira abreviada a evolução dos meios utilizados para comunicação em função das tecnologias disponíveis e a integração ocorrida entre estes meios:



Olhando para os dias de hoje, quanta diferença! Você consegue se comunicar com pessoas em quase todos os cantos do mundo e até fora dele, sem ter que sair de casa, e ainda podendo optar por comunicação escrita (SMS, WhatsApp etc.), com voz gravada (correio de voz, WhatsApp etc.), voz em tempo real (chamada normal, Skype etc.), com ou sem imagem (FaceTime etc.) e veja que só comentei as formas de comunicação passiveis de serem realizadas com um único equipamento: o smart-phone.

Se eu dissesse que existem mais smart-phones em uso no mundo do que escovas de dentes você acreditaria? Claro que não! Mas esta é uma verdade desde há dois anos ou mais! Hoje as escovas de dentes perdem feio para os smart-phones!


A disponibilidade de tantos recursos tecnológicos e sua facilidade de uso, com baixo custo, está causando uma alteração significativa na dinâmica da troca de informações entre as pessoas e esta dinâmica, por sua vez, está mudando os hábitos e o comportamento das pessoas e dos grupos.

E por falar em grupos, os recursos utilizados pelas redes sociais são totalmente baseadas e dependentes dos meios de comunicação atual. Sem estes meios, as redes sociais não teriam vida e deixariam de ser um negócio tão promissor.

A junção destes dois recursos, as tecnologias para comunicação e as redes sociais, é que têm promovido as mudanças comportamentais já citadas. Os grupos sociais são criados dentro das redes sociais em função de afinidades diversas: grupos de amigos, colegas de trabalho, ex-colegas de instituições educacionais, partidos políticos, religiões etc. As pessoas que compõem estes grupos passam a trocar informações utilizando-se dos meios de comunicação peculiares de cada rede social.


O que se observa a partir daí é que as pessoas do grupo passam a partilhar todo tipo de informação, obviamente dependendo da percepção de cada um sobre o que é relevante ou não partilhar. Todavia, percebe-se também que o grupo passa a exercer uma pressão velada sobre as pessoas que não participam tão ativamente destas trocas. Com isso, as pessoas que filtravam mais as informações partilhadas passam a partilhar coisas que não julgavam dignas de serem divulgadas ou se sentem intimidadas e diminuem ainda mais suas participações.

O que se tem notado é que há pessoas que chegam a postar fotos mostrando a xícara de café que está tomando ou algo parecido. Isso pode ser interpretado como futilidade ou uma necessidade de se apresentar ativo e ligado ao grupo, intensa e continuadamente. Para tanto, não importa onde ou o que as pessoas estão fazendo, sempre irão se conectar e “prestar contas” de tudo que realizam ao longo de seu tempo em atividade, até informando algo do tipo “bom, agora vou dormir”.


Alguma semelhança com o “grande irmão”? A diferença é que a pressão para o controle e exposição não parte de uma pessoa ou instituição, mas dos próprios indivíduos que compõem os grupos das redes sociais. Os membros dos grupos passam a sentir uma necessidade tamanha de se mostrarem ativos que deixam de viver plenamente o local, as coisas que estão realizando e as pessoas com quem estão convivendo para poderem interagir com o grupo, remotamente.

Já é comum ver casais de jovens que vão a bares, restaurantes ou outros locais, e que passam a maior parte do tempo operando o smart-phone, interagindo com as redes sociais.


Nos dias de hoje, a música “Aqui e Agora” de Gilberto Gil chega a perder suas cores e a proposta de desfrutar do que há nas cercanias. O trecho mais conhecido da música poderia até ser alterado para “O melhor lugar do mundo é aqui, e agora?”. De que adianta estar no melhor lugar do mundo e não aproveitar nada dele? Estar neste lugar e, enquanto isso, passar o tempo todo trocando mensagens pelos mais diversos recursos de comunicação, apenas para se manter “socialmente conectado”? A consequência disso é que, quando as pessoas forem questionadas sobre determinado local que visitaram, o máximo que poderão fazer é mostrar um “selfie”, com o local ao fundo – ou seja, algo para mostrar, mas não para contar. As sensações emanadas de um local diferente, vivendo algo fora do cotidiano passaram a ser menos relevantes do que se fazer notado por imagens e textos.

Em tudo isso, o que pode ser colocado como vantagem é o fato de que as pessoas podem ficar mais tempo em contato. Mas esse contato é verdadeiro? O ato de escrever pressupõe um refletir sobre o texto e, antes de enviá-lo, repensar e ajustar para atenuar eventuais animosidades e até mesmo demonstração de preconceito, por exemplo. Observa-se assim que as pessoas tentam moldar sua imagem percebida a algo mais palatável e aceito pela sociedade, fugindo à demonstração de suas verdadeiras características, ou seja, as pessoas mostram o que é aceito e não o que elas de fato são. Na internet, por exemplo, se assiste algo oposto: dado o “pseudo-anonimato” propiciado, algumas pessoas cometem atos covardes, criticando, ofendendo, mentindo e menosprezando outras pessoas, escondendo-se atrás de apelidos.


Falando de redes sociais e internet, percebemos outra realidade, que tem se mostrado mais efetiva e recorrente na atualidade: as ações virais. São ações deflagradas por grupos ou entidades que, pela facilidade de divulgação propiciada pelas tecnologias de comunicação, propagam-se numa velocidade e escala inimaginável. Isso é algo recente e que ainda não foi bem dominado, logo, pode ter efeitos excelentes ou extremamente perigosos. Cabe ressaltar que a dinâmica do comportamento grupal é completamente diferente do que os indivíduos pensam ou fazem - o indivíduo quando reunido em grupo tem seu comportamento alterado e potencializado, e isso faz parte do instrumento e do risco.

Mais um aspecto percebido com o avanço acelerado das tecnologias da comunicação é a quebra da privacidade. Na verdade há pessoas que têm suas vidas particulares devassadas pela exposição constante. Há também pessoas que gostam de se expor, divulgando informações e imagens de seu cotidiano, tal qual estivesse participando de um reality show.

Com isso, temos de um lado a tecnologia da comunicação que facilita a vida dos indivíduos mas o colocam em evidência junto à coletividade e do outro lado temos a privacidade sendo colocada à prova.
Como sempre, o melhor está no meio. Buscar o equilíbrio entre a utilização de recursos de comunicação e a preservação da privacidade é o grande mote. Não há como imaginar tirar o máximo do que a tecnologia para comunicação oferece sem abrir mão de sua privacidade. Por outro lado, não há como imaginar uma pessoa que viva à margem da tecnologia, primando apenas pelas questões pessoais. 

Lidar com as questões pessoais e se manter cada vez mais ativo em termos de comunicação é um desafio hercúleo, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo: individual, levando em conta que as pessoas não podem se isolar; e coletivo porque os grupos não podem se impor e sobrepor ao direito à liberdade, individualidade e privacidade.

Alguém pode questionar: Tudo isso então é ruim? Óbvio que não! Há muitos benefícios no que está sendo propiciado pelas novas tecnologias e soluções orientadas à comunicação, porém, ainda temos que aprender a lidar com isso de maneira eficaz. Apenas para ilustrar: a internet existe desde a década de 80 (século passado!) e só agora temos a Lei 12.965/14, conhecida como o Marco Civil da Internet, sancionada em 23/04/2014. A “aceleração” desta sanção foi motivada pela espionagem sofrida no alto escalão do governo brasileiro por agências da inteligência norte-   -americanas.

Em resumo: temos muito a aprender. E é sempre melhor aprender fazendo do que ficar assistindo.

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“Em 1948 George Orwell escreveu seu mais famoso romance, o clássico 1984, onde numa sociedade futurista do território de Oceânia todos os habitantes tinham os seus passos vigiados pelo Grande Irmão. Apenas para relembrar, na trama de Orwell, o governo totalitário de Oceânia mantinha espalhadas em cada recanto possível e imaginável, teletelas, uma espécie de aparelho de televisão. Ao mesmo tempo em que transmitiam informações ininterruptamente, vinte e quatro horas por dia, também eram responsáveis por capturar áudio e vídeo de quem passasse na frente delas, mantendo dessa forma os cidadãos vigiados em todos os seus movimentos. 
Isso fazia com que eles tivessem cuidado absoluto com tudo que diziam, faziam e até pensavam, pois simples pensamentos contrários ao ideal do Partido, simbolizado pela figura onipresente do Grande Irmão, quando percebidos, eram considerados crimes passíveis da aplicação de severas penas. É a partir desse ponto central que toda a história de Orwell se desenrola.”
(Marcos Gimenes Salun - em “Antologia Paulista”   p. 169 - Rumo Editorial - SP - 2013).
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